No capítulo XI de O Evangelho Segundo o Espiritismo, encontramos uma preciosa elucidação:
"O amor resume inteiramente a doutrina de Jesus, visto que é o sentimento por excelência. Os sentimentos são os instintos elevados à altura do progresso realizado. Em seu início, o homem não tem senão instintos. Mais avançado e corrompido, só tem sensações e, quando instruído e purificado, tem sentimentos. E o ponto delicado do sentimento é o amor, não no sentido vulgar do termo, mas esse sol interior que condensa e reúne, em seu foco ardente, todas as aspirações e revelações sobre-humanas".
A lei do amor substitui a personalidade pela fusão dos seres, extinguindo as misérias sociais. Entendemos que a família é uma sagrada oportunidade para nos reunirmos e, através do livre-arbítrio, substituirmos nossos instintos e sensações pelo mais nobre sentimento, que é o amor. E para que a família se constitua, é necessário o casamento.
A doutrina espírita nos oferece um fartíssimo material para estudar e compreender o casamento, a família, o sexo e nossas ligações. Precisamos meditar detidamente sobre estes temas, uma vez que, nos dias de hoje, passamos por uma fase conturbada. Há uma grande confusão entre liberdade e libertinagem na transição para a libertação das mulheres. Os jovens necessitam de uma orientação bastante segura, face à quantidade de informações (ou desinformações) que chegam até eles. A maioria das religiões se perde em dogmas que, não sendo compatíveis com o espírito crítico, muitas vezes afastam o jovem dos ensinamentos religiosos.
Sendo assim, devemos fazer a nossa parte, estudando, meditando e nos modificando, para que, através do exemplo, possamos oferecer uma educação segura para nossos filhos e auxiliar todos aqueles que baterem à nossa porta.
Por que não há casamento nos centros espíritas, como nas igrejas e demais religiões em geral?
Carlos Alberto Silva - Por vários motivos. Observamos que, na maioria das religiões, há a figura de um padre ou pastor, o intermediário de Deus para oficializar uma união ou casamento, segundo o entendimento delas. No Espiritismo, não existe esse intermediário. Mesmo o presidente do centro espírita é tido apenas como mais um trabalhador, com a missão de organizar as tarefas do centro, sempre ajudado por uma equipe de trabalho. Portanto, para o espírita, o casamento não depende da autorização de um presidente do centro ou mesmo de um palestrante ilustre, mas de um consentimento que vem de Deus, de um pedido sincero feito por dois corações que resolveram se unir. Isto não quer dizer que o espírita não pode realizar uma cerimônia espírita, na qual haverá um amigo que possa realizar uma prece ao invés de um padre e, no lugar da igreja, ter como sede não o centro espírita, mas o lar ou um local adequado para reunir os amigos e familiares.
A pessoa com quem casamos possui algo relacionaado com nossas vidas passadas?
Carlos Alberto Silva - Normalmente sim, mas não façamos disso uma regra absoluta. A doutrina espírita nos ensina que a maioria de nós possui um planejamento de vida a cumprir, referente à nossa família, ao país em que nasceremos, à profissão que será escolhida e aos companheiros que encontraremos ou reencontraremos, incluindo o futuro cônjuge. Contudo, ela nos ensina também que possuímos o livre-arbítrio, abrindo a possibilidade de sermos atraídos para um (a) companheiro(a) e resolvermos por outro(a), seja pelo interesse material ou pelas paixões.
"Para o Espiritismo, um casamento não depende de autorizações, mas de um pedido sincero de dois corações que resolveram se unir."
Permanece-se casado depois do desencarne?
Carlos Alberto Silva - Se as ligações forem de alma para alma, sim, formando, inclusive, as famílias espirituais. Mas caso as ligações sejam somente da matéria, elas se desfazem com a mesma.
O casamento tem lugar e função nos estágios mais elevados da vida espiritual ou tende a desaparecer com a compreensão completa do amor e caridade? Aliás, alguns usam esta compreensão para justificar a poligamia. Como podemos analisar a questão?
Carlos Alberto Silva - Vemos o casamento como um estágio necessário para a troca de experiências que visam nosso aperfeiçoamento moral. Conforme evoluímos por meio delas, vamos conquistando o "amor" em sua plenitude, atingindo a possibilidade de "amar ao próximo como a nós mesmos". Nesse estágio, não precisamos mais da reencarnação e, a meu ver, o casamento não se dá mais de alma para alma, segundo o nosso nível atual, mas de alma para almas. Vejo no amigo Jesus o exemplo a que me refiro. O que os espíritos nos ensinam é que a monogamia se trata de uma evolução de nossa sociedade. Na poligamia, não encontramos afeição real, mas sensações. As pessoas que tentam justificá-la estão bastante ligadas às sensações físicas, não tendo despertado ainda para as "sensações" da alma, que é um de nossos grandes objetivos até chegarmos ao despertamento e descobrimento do amor.
Também poderíamos compreender como um "casamento" a união estável entre dois indivíduos do mesmo sexo?
Carlos Alberto Silva - Este é um tema bastante complexo, para o qual não nos arriscamos a dar respostas definitivas. No meu entendimento atual, depois, inclusive, de várias mensagens do plano espiritual, penso que sim. Entretanto, só conseguiremos compreender melhor a questão homossexual depois que estivermos livres dos preconceitos que nos acompanham há muitos milênios. Arrisco-me a dizer que a legalização do casamento entre duas pessoas do mesmo sexo é um avanço da sociedade, que estará apenas regulamentando o que já existe de fato.
Se a família é "uma sagrada oportunidade para nos reunirmos e, através do livre-arbítrio, substituirmos nossos instintos e sensações pelo sentimento mais nobre, que é o amor", como se disse na introdução, uma pessoa que opte por não se casar estaria incidindo em erro?
Carlos Alberto Silva - Não. Ou melhor, podemos dizer que depende. Existem planejamentos de reencarnações nos quais a formação de uma família não está prevista. Temos, por exemplo, o caso do Chico Xavier ou, no livro Renúncia, do personagem Carlos, que teve planejada a volta como padre, sem a previsão de ter uma família. Para uns, é expiação, enquanto que, para outros, é prova. E por isso que não temos uma vida só, pois, a cada reencarnação, temos oportunidades de crescimento em um ou mais campos.
"A doutrina espírita não íncentiva o divórcio,mas não ensina a ficar preso em compromissos que não têm mais razão de existir."
Geralmente, há uma idéia de que um casamento que fracassou obrigatoriamente deverá ser refeito em outra vida, em bases sofridas.
Isso não contraria a própria lei de evolução, já que os espíritos, ao refazerem a experiência juntos, poderão estar mais cooperativos, amenos e amorosos? Por que se insiste em ameaçar, alegando que a próxima experiência será pior do que a atual?
Carlos Alberto Silva - A ameaça vem pela falta de entendimento, são os elos que ainda trazemos das religiões que se baseiam no conceito de "céu" e "inferno", de punições eternas. Eu também já interpretei muitos textos espíritas exatamente como o descrito na questão, mas o entendimento das leis de Deus nos mostra que não é assim. Não faz sentido estabelecermos uma "fatalidade" quase cega ao término de um relacionamento, até porque as leis divinas não são punitivas, mas educativas. Acredito que a confusão seja feita nesse sentido, com estas interpretações, em virtude de querermos enquadrar as situações dentro de leis quadradas de certo e errado. Certa vez, ao se referir a este tema, o amigo Altivo Pamphiro, presidente do Centro Espírita Léon Denis, afirmou que, em seu entendimento, as questões relacionadas ao casamento são individuais. Há tempos que venho pensando nisso, que faz muito sentido para mim. Cada um de nós é um universo em si mesmo, com experiências milenares, e, no casamento, juntam-se "dois universos". Como estabelecer que o final de um casamento será assim ou assado diante de tantas variáveis envolvidas? Tudo dependerá da maturidade de cada um, do que acontecer depois. Podemos salientar, ainda, a existência de casos nos quais um dos envolvidos no casamento - que, no atual estágio em que nos encontramos, normalmente é de reajuste - pode se esforçar e agir como alguém que está "quitando" seu débito. Entretanto, o outro nunca se sente "pago". O que fazer então? Ficar "amarrado", esperando "que a morte os separe"? Abençoada doutrina espírita, que nos mostra os objetivos do casamento com mais clareza, que não incentiva o divórcio, mas que também não nos ensina que devemos ficar "presos" indefinidamente a um compromisso que, muitas vezes, não tem mais razão de existir. Sempre será uma questão de consciência de cada um.
"A família oferece a chance de uma pessoa se juntar a outras e trocar seus instintos por amor.
Mas o desejo de não se casar e criar laços familiares não deve ser visto como algo contrário à evolução, pois pode fazer parte da programação reencarnatória do ser."
O Evangelho Segundo o Espiritismo nos fala que o divórcio serve para quando não existe amor, pois, diante disso, não é justificável continuar uma ligação. Entretanto, no livro Vida e Sexo, Emmanuel nos diz que não há união por acaso e nunca se deve estimular o divórcio, que se destinaria apenas para aqueles aos quais um homicídio ou um suicídio se configurem uma ameaça.
Como conciliar estas duas informações? Quando aconselhar o divórcio para alguém? A agressão física seria uma justificativa plausível ou se deve tentar mesmo assim, por meio do sacrifício e da paciência?
Carlos Alberto Silva - Na maioria das vezes, quando falamos de divórcio ou assuntos relacionados às problemáticas da vida, basicamente buscam
os uma resposta que nos oriente exatamente como proceder. No íntimo, sem que façamos isso conscientemente, estamos procurando uma "regra de bolo", algo que nos isente de tomar uma decisão "errada", já que podemos dizer coisas como "agi de acordo com a doutrina, com o ensinamento deste ou daquele espírito", ou seja, uma maneira de suavizar uma decisão tão difícil. Só que esta receita não existe! Para mim, cada caso será sempre único. Se uma pessoa tem entendimento e encontra forças para prosseguir em sua caminhada dentro de um casamento difícil, por que diríamos a ela para se separar? Agora, no caso de uma outra que, por motivos que nos parecem menores do que a primeira, está a ponto de se suicidar ou cometer seguidos adultérios, como poderemos insistir para que ela continue presa ao casamento? Embora, de forma geral, sejamos espíritos em estágios parecidos de inferioridade, cada um de nós possui uma bagagem, uma experiência. Uns combatem o egoísmo, alguns combatem a bebida, outros se sacrificam pelo casamento. Por isso, normalmente os espíritos avaliam estas questões de forma genérica. Nos casos em que há violência física, vícios graves ou adultério, é lícito ter o divórcio como saída plausível, porém, saberemos quais são as conseqüências deste ato apenas na vida espiritual, com base naquilo que fomos e conseguimos conquistar na atual existência.
Carlos A.Silva - Revista Cristã de Espiritismo