A minha morte foi como um pesadelo; senti um profundo torpor e perdi os sentidos. Depois de algum tempo, recobrei a consciência; parecia estar bem, até que percebi que algumas pessoas estavam colocando-me dentro de um caixão. Tentei reagir mas não consegui mexer-me; gritei dizendo estar vivo, mas ninguém me ouviu. Quando fecharam o caixão, dei murros na tampa tentando abri-la, mas meu esforço era em vão; perdi os sentidos.
Não sei quanto tempo fiquei desacordado; quando dei por mim novamente, senti que me colocaram em um veiculo e viajamos por algum tempo. Os solavancos do carro enjoaram-me; comecei a passar mal; não tinha espaço para vomitar e nem para me mexer; sentia-me sufocado. Quando o carro parou escutei gritarem o meu nome seguido de muito pranto. Pelo movimento, percebi que ali deveria ser o local do velório. Tiraram o caixão do carro e, quando menos eu esperava, abriram a tampa. Senti um grande alívio! Tente levantar-me , mas não consegui. Muita gente debruçou sobre mim para chorar.
O que eu poderia fazer ?
Já havia tentado de tudo para sair dali. A única explicação que eu encontrava para aquele fato , é que eu estava realmente morto e o meu espírito preso a meu corpo e já começava a cheirar mal.
Diante da minha impotência, tive que aceitar aquela situação. Observei cada pessoa que passavam por mim. Olhavam-me piedosamente e lamentavam pela minha morte. Quase todos que passaram por aquele desfile de lágrimas e de hipocrisia diziam a mesma coisa:
- Que pena. Tão jovem!
Outros cochichavam:
- Foram as drogas que os destruíram.
-Depois de algum tempo, fecharam o caixão e puseram-me novamente em um carro; Fiquei tonto, comecei a passar mal; por alguns momentos, eu ia morrer de verdade. Mas acabei apenas desmaiando. Quando voltei a mim, não sei quanto tempo depois, escutei algumas pessoas conversando. Pelo que elas falavam, deduzi que estavam levando-me para o cemitério; quase me
desesperei. Senti um medo terrível, principalmente quando percebi que estavam SEPULTANDO-ME.
Não cheguei a entrar em pânico, mas rezei todas as orações que eu havia aprendido e isso, de certa forma, acalmou.
Lembrei-me da minha vida desde quando era criança. Revi todo meu passado, era como se eu estivesse assistindo à projeção. A partir dai, naquela solidão profunda, comecei a julgar minhas atitudes. Fui um combatente! Lutei contra um sistema que eu não aceitava e que me causava revolta. Entretanto, acabei vítima de mim mesmo e não do sistema que eu condenava.
Sem perceber, havia optado pela fuga, a mesma fuga que me havia fascinado em outros momentos da minha vida. O sofrimento por que eu estava passando era característico dos suicidas. Era assim
mesmo que eu me sentia, um suicida. Levado pela revolta, percorri o caminho das drogas até encontrar a morte. Embora o mundo me aborrecesse, eu deveria ter continuado no bom combate.
Na verdade, fui um equivocado, apontei tudo que eu achava que estava errado, mas não soube indicar o certo. Minhas intenções eram boas, mas minhas atitudes eram contraditórias. Em vez de
atacar e ferir o sistema, eu deveria ter contribuído para transformá-lo.
Nelson Moraes Zílio
Um Roqueiro no Além
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