Já nos primórdios de sua história em terras brasileiras, encontramos o Espiritismo influenciado pelos cultos africanos e pelas práticas do magnetismo e da homeopatia que aqui o antecederam.
Nos primeiros embates ideológicos entre místicos e científicos, kardecistas e espíritas puros, grupos aos quais se filiavam os espíritas do final do século XIX, identificamos a origem das duas principais vertentes do movimento espírita dos nossos dias – a religiosa e a *laica.
É sabido que, após a ação pacificadora de Bezerra de Menezes, kardecista e místico, passou a ser predominantemente evangélica a feição do Espiritismo no Brasil, reforçada pelo roustainguismo divulgado pela Federação Espírita Brasileira.
Assim, passa o Espiritismo a assumir caráter nitidamente religioso e, de Doutrina inicialmente acolhida e estudada com simpatia por intelectuais, transforma-se, por opção dos dirigentes da época, em movimento místico-assistencialista, voltado prioritariamente para as camadas carentes da população.
A cultura espírita é desprezada. Para tanto, contribuem destacados mentores desencarnados, apregoando a supremacia do sentimento, preocupados com a expansão do racionalismo.
O conhecimento é considerado perigoso por estimular a elitização e a vaidade. Translada-se o dogmatismo da Igreja para o Espiritismo, imprimindo a este características de uma nova religião evangélica atraindo multidões ávidas de consolo e de cura para os seus males.
Nesse clima, dissemina-se uma anti-cultura adubada pelo slogan da reforma íntima, esta embasada na caridade salvacionista.
Nos Centros convivem dois públicos - os trabalhadores e os assistidos ou necessitados - onde não há espaço para a investigação e para o questionamento propostos pelo Codificador.
As casas espíritas assumem a feição de templos, casas de oração, onde filas de pedintes aguardam vez para a consulta aos espíritos, para tomar passes ou para receber a sacola com gêneros e roupas. Não que sejamos contra o desenvolvimento dessas atividades. Deploramos que elas sejam realizadas em detrimento do que seria prioritário - a pesquisa e a divulgação do conhecimento espírita.
Em tal ambiente não subsiste o espírito crítico e observador característico dos primeiros tempos da investigação espirítica.
Nada mais se acrescenta ao acervo kardequiano, exceto através da revelação mediúnica.
O dinamismo e a progressividade da Doutrina Espírita são desconsiderados por uma falsa modéstia.
Apenas os espíritos são ouvidos e suas informações não são filtradas pela razão. Alguns médiuns, figuras extraordinárias, é certo, são eleitos porta-vozes celestes e passam a formatar o pensamento espírita, sem sofrer o menor questionamento.
As instituições federativas, com raras exceções, são antigas sociedades que se auto-proclamaram federações ou uniões e assumiram a direção do movimento.
A chamada unificação tornou-se sinônimo de padronização e conformidade com o pensamento dominante. Em seu nome, aboliu-se a discussão por ser causadora de desunião e desarmonia, na verdade, para calar as vozes opostas ao discurso dominante. Temas polêmicos são rejeitados por “trazerem a cizânia e comprometerem a fraternidade”.
Os que pensam diferente e se atrevem a expor e defender suas idéias, e mesmo as ignoradas assertivas de Kardec, são vistos como desagregadores,obsidiados, discriminados, excluídos e até aluniados pelos “defensores” da pureza doutrinária.
Não fossem as figuras proeminentes de um Deolindo Amorim, de um Carlos Imbassahy ou de um José Herculano Pires, o movimento espírita brasileiro estaria ainda mais distanciado do modelo kardequiano.
Algumas pessoas tem levantado movimento de resgate das obras de kardec,para que possa reagir contra o igrejismo que se tornou o movimento espírita. Tem se voltado para as características marcantes do Espiritismo,que é o estudo.
O movimento universitário espírita (MUE), ocorrido na década de 60, na espiritização, surgida com Jaci Regis, em Santos, em 1978, no Projeto: Kardequizar, lançado pela Federação Espírita do Rio Grande do Sul, em 1986, uma revitalização dos ideais defendidos,
no início do século XX, por Afonso Ângeli Torterolli e seus seguidores, na defesa de um espiritismo não-religioso, tal como propusera o seu fundador/codificador Allan Kardec.
Essas iniciativas, além de outras valiosas contribuições individuais, constituíram as bases ideológicas sobre as quais muitos tem buscado transformações para uma mentalidade "nova" no Espiritismo.
"Formar, senão muitos, mas um punhado de irmãos capazes de difundir uma doutrina restaurada às suas bases, mas também solidamente apoiada nos avanços que a ciência e a tecnologia vêm de nos oferecer: um espiritismo emancipado de místicos e milagreiros, ainda mercadores de indulgências, que elegeram um Jesus passivo e estático, que eles adoram sem compreender a dinâmica de seu Evangelho libertador”.
*Laica:é um adjetivo que significa uma atitude crítica e separadora da interferência da religião.
Fonte: Da Religião Espírita ao Laicismo
A trajetória do Centro Cultural Espírita de Porto Alegre
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