quarta-feira, 27 de julho de 2011

CHICO XAVIER

Os rumores persistiam na cidade. Um padre de Belo Horizonte fez um discurso inflamado na igreja de Pedro Leopoldo contra o espiritismo e encerrou o sermão mandando Chico Xavier para o inferno. O rapaz, impressionado, correu para o colo invisível da mãe, contou seu drama e ouviu dela o muxoxo:
- E daí? Ele te mandou para o inferno, mas você não vai. Fique na Terra mesmo...
Poucas semanas depois, um intelectual, também de Minas, desembarcou na cidade. Chico vestiu sua melhor roupa e, com a pasta de poemas debaixo do braço, foi levado por um amigo até o forasteiro. O literato passou os olhos pelos versos, classificou tudo como "bobagem" e, com os olhos fixos no autor, encheu a boca:
- Este rapaz é uma besta.
O amigo de Chico defendeu a inteligência dele, sua dedicação aos espíritos, seu cuidado com os poemas vindos do outro mundo. O intelectual reviu seu julgamento.
É uma besta espírita.
Chico, inconformado, buscou abrigo, mais uma vez, sob as saias de Maria João de Deus.
Viu como eu fui insultado?
Ouviu mais um muxoxo materno:
- Não vejo insulto algum. Acho até que você foi muito honrado. Uma besta é um animal de trabalho. E é valioso e útil, a serviço do espiritismo, quando não dá coices.
Preocupado com a própria "rebeldia" e em estado de depressão, Chico teve mais uma visão. Um burro teimoso atrelado a uma carroça carregada de documentos puxava a carga e encarava com inveja os companheiros livres no pasto. De vez em quando, enquanto era alimentado com água e alfafa, assistia, de longe, às brigas violentas entre os colegas. Uma sucessão de coices sanguinolentos. Chico olhou aquele burro e pensou: talvez fosse melhor estar sob freios do que estar solto no pasto da vida para escoicear e ser escoiceado.
- Aprendi a lição - disse ele, pronto para receber os arreios.
Chico já estava cansado. Trabalhava, lutava no centro, fazia caridade, escrevia quase por compulsão e continuava desacreditado. Ele reclamava dos incrédulos, se queixava dos comentários envenenados e se entregava à reza. Após uma das várias orações, Maria João de Deus voltou à cena e, em vez de um conselho, sugeriu um remédio.
- Meu filho, para curar essas inquietações, você deve usar água da paz.
Chico saiu à procura do remédio em todas as farmácias de Pedro Leopoldo. Nada.
Recorreu a Belo Horizonte. Nada de novo. Ao fim de duas semanas, comunicou à mãe o fracasso da busca. A aparição ensinou:
- Não precisava viajar. Você poderá obter o remédio em casa mesmo. Pode ser a água do pote.
- Como assim?
- Quando alguém lhe fizer provocações, beba um pouco de água pura e conserve-a na boca. Não a lance fora nem a engula. Enquanto persistir a tentação de responder,guarde a água da paz banhando a língua.
Chico engoliu a lição do silêncio. E digeriu.
Nessa noite, sentiu o braço movido por alguém. Tomou o lápis e despejou os versos:
"Meu amigo, se desejas:
paz crescente e guerra pouca,
ajuda sem reclamar
e aprende a calar a boca".

As vidas de Chico Xavier
Marcel Souto Maior

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