Há pouco tempo, depois de uma palestra, uma senhora me procurou para expôr o seu problema. Não pudera gerar seus próprios filhos e, em consequência, adotara três lindas crianças.
Ninguém, a não ser o médico pediatra conhecia o problema; nos éramos a segunda pessoa com quem conversava abordando o assunto que a preocupava muito.
Durante a sua narrativa percebemos o imenso amor pelas crianças; de quando em vez, seus olhos marejavam. Contou que seu esposo era excelente, um verdadeiro pai também para as duas garotas e o robusto menino. Os três foram adotados quando ainda contavam poucos dias.
Conversamos com ela longamente, dando-lhe as explicações espíritas de praxe, alicerçadas na reencarnação e na lei de causa e efeito. De nossa parte, comovidos, dissemos a ela que não se precipitasse nada, porquanto ela estava em dúvida se dizia ou não a verdade para os filhos.
Sentimos que ela era muito mais mãe deles do que as que puderam gerál-os.
No final falamos com aquela senhora que, se surgisse oportunidade, procurariamos ouvir nosso irmão Chico sobre o assunto.
Num sábado à noite, no Grupo Espírita da Prece, após as tarefas habituais, expusemos para ele o caso. Depois de ouvir-nos, foi claro em dizer que ela deveria revelar para as crianças a verdade, porquanto não conhecia ninguém que sabendo de tudo depois de crescido não se revoltasse; a idade infantil —
os três irmãos têm idades que variam de seis a oito anos — era propícia, favorável.
Mas diga a ela, Baccelli — prosseguiu Chico — que tem que ser com muito amor, muito carinho. Se um animal nos atende quando nos dirigimos a ele com amor, quanto mais um ser humano! Diga a ela para reuni-los, orar com eles e dizer que gostaria muito que tivessem nascido dela, mas que Deus resolveu diferente.
Sim, quantos ficam sabendo depois de adultos — e não há nenhum que não fique sabendo — a verdade a respeito de suas origens e se rebelam, saem de casa, causam desgostos, procuram as drogas, quando não o suicídio.
Ao contrário, contando a verdade, as crianças crescem com reconhecimento, estima, gratidão e compreensão.
Quando não se conta, arrisca-se a ver o amor transformar-se em inexplicável aversão; quando se diz a verdade, o máximo que pode acontecer é ter os nomes de “pai” e “mãe” substituidos por “tio e “tia”.
Aquela senhora daria a vida pelos seus filhos adotivos, mas temos certeza que ela compreendeu e, com a revelação, surgiu um relacionamento muito mais forte, muito mais sadio, consciente, entre ela e os meninos.
Esconder a realidade é trair-lhes a confiança, e poucos entenderão que tal foi feito por muito amor. Mas há também os que ocultam por preconceito, por vergonha de não terem podido gerar seus próprios rebentos.
Aqui a culpa, se é que podemos classificar a atitude de culpa, é maior, porqüanto pensou-se mais em si do que nos filhos, no trauma que mais tarde poderia vir a pesar-lhes nos ombros. Enfim, a verdade deve ser dita mas com amor; verdade dita com carinho nunca magoa ninguém.
Estamos escrevendo enfocando o tema porque sabemos que por aí afora existem centenas de pais vivendo drama semelhante; o período infantil é o mais propício à revelação.
Escreveu o célebre Gibran: “Os filhos vêm através de vós, mas não vêm de vós...”.
Em O Evangelho Segundo o Espiritismo, lemos: “O corpo procede do corpo, mas o Espírito não procede do Espírito” , quer dizer: Pai mesmo só Deus o é.
Nossos filhos não são nossos filhos, são, antes, irmãos. Os corpos que têm é que são filhos dos nossos corpos, mais nada.
E, depois, o que é mais importante: os filhos consanguíneos ou os filhos do coração? Os chamados filhos adotivos são os do coração; estão unidos a nós por indestrutíveis laços espirituais.
É puro convencionalismo humano o que nos leva a classificá-los de adotivos; somos todos adotivos uns do outro.
É preciso contar a verdade, para não chorar depois, ou vê-los chorar mais tarde, perdendo a confiança, sentindo-se abortados do nosso carinho.
(agosto de 1983)
Lições de Sabedoria
Marlene Rossi Severino Nobre
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