O famoso clássico americano de Eleanor Hodgeman Porter (1868- 1920), POLLYANNA, recentemente reeditado pela Companhia Editora Nacional. Quer dizer, famoso para mim, que passei a infância ouvindo minha mãe e minha madrinha falando deste romance. Aliás, só pela data de nascimento e falecimento da autora, já dá para perceber o quanto é antiga esta história. Mas será que as novas gerações já tiveram tempo de ouvir falar do “jogo do contente”?
Para quem não conhece, Polyanna é uma garotinha de onze anos, órfã de mãe, e logo depois também de pai, que vai morar com uma tia materna muito fria e amarga, a qual lhe destina um quartinho minúsculo e empoierado, embaixo das escadas de sua enorme mansão. Ainda assim, Polyanna se sente a mais feliz das criaturas. Este é seu segredo. Chova ou faça sol, aconteça o que acontecer, Polyanna está sempre contente. Nisto consiste o jogo. Encontrar o que há de bom em cada situação. E Polyanna não só o joga com sua máxima seriedade infantil, como contagia a todos os que vivem a sua volta, convidando-os a enxergarem o mundo de uma forma mais otimista, valorizando a oportunidade de aprender algo com a vida.
Tudo isto, sem jamais perder o bom humor. Em um dos pontos que considero mais fantásticos do livro, ela se depara com um homem carrancudo, a quem insiste em cumprimentar todos os dias com a máxima delicadeza. “Escute aqui, menina”, diz ele num rompante típico de quem não está acostumado a ser tratado com carinho, “Tenho coisas mais importantes para pensar do que se o dia está bonito ou não.” “Eu sei”, responde Polyanna, sempre sorridente. “Justamente por isso sempre lhe digo como está o tempo”.
Polyanna é a exemplificação da reforma íntima de que tanto ouvimos falar no meio espírita. É a própria benevolência em pessoa. O tempo todo nos mostra que a existência terrena nada mais é do que uma imensa escola de aprimoramento moral, “onde as circunstâncias adversas funcionam como um buril lapidador do caráter, convidando as criaturas a uma renovação de valores para uma posterior mudança de conduta”, como bem define o espírito Albino de Santa Cruz através da psicografia de José Maria de Medeiros, no livro “Semanário das Reflexões” (SP: Didier, 2002).
No fim da história, Polyanna percebe que modificou uma cidade inteira e chega ao cúmulo de bendizer o acidente que a deixou sem os movimentos da perna, feliz pelo bem que conseguiu proporcionar às outras pessoas, apesar de toda a sua dor.
Sinceramente, penso que se todos conseguíssemos, se nos esforçássemos de verdade para jogar o jogo do contente pelo menos algumas horinhas por semana, a reforma íntima não seria uma coisa tão complicada e o mundo mais rapidamente se tornaria um lugar melhor de se viver. Sem contar que, com o impulso do pensamento positivo, da nossa atitude de gratidão, seria muito mais fácil a nossa conexão com os benfeitores espirituais. Eles estão sempre a postos para nos ajudar. Nós é que dificultamos o processo de auxílio com nossas atitudes de revolta, indignação, descrença e azedume.
Talvez seja esta a grande lição que precisamos aprender. Pensamento é poder. Pensamento contagia. Pensamento modifica.
“Desejo é realização antecipada”, sintetiza André Luiz no livro “Sinal Verde”.
“O pensamento é vivo e depois de agir sobre o objetivo a que se endereça, reage sobre a criatura que o emitiu, tanto em relação ao bem quanto ao mal”, destaca.
Só pensando o bem e fazendo o bem caminharemos para o bem. Por isso, ao invés de perdermos tempo pensando no que não podemos fazer, pensemos no que podemos fazer. Já é meio caminho andado. Com o coração contente, então, fica ainda mais fácil. Querem saber de uma coisa? Se um dia, por ventura, eu vier a ter mais uma filha, vai se chamar Polyanna. Para que nunca mais venhamos a esquecer sua lição.
Confesso que, embora “burra velha”, esta adaptação infantil mexeu profundamente com os meus hábitos. Com os meus só, não. Também minhas meninas se deixaram sensibilizar pela mensagem de Polyanna. “Mamãe, hoje você não está jogando o jogo do contente”, faz questão de me lembrar Alice, do alto de seus quatro anos, sempre que percebe que estou começando a ficar irritada.
Lygia Barbiére Amaral: Jornalista e escritora, mestre em literatura brasileira e especializada no estudo de telenovelas. Natural do Rio de Janeiro, reside em Caxambu, no sul de Minas Gerais, desde 1995. É autora dos romances O Jardim dos Girassóis, A Luz Que Vem De Dentro, O Silêncio dos Domingos e O Sono dos Hibiscos, todos não mediúnicos.
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