Analisar os fatos à nossa volta com os olhos do não-julgamento é uma atitude de sabedoria frente à vida, e certamente nos proporcionaria um estado de absoluta harmonia se assim agíssemos com mais frequência.
Infelizmente, porém, estamos condicionados a fazer leituras e interpretações de fragmentos, apenas fragmentos, precipitando-nos em julgamentos equivocados.
Uma pessoa começa a nos contar algo e logo a interrompemos adiantando o final ou apresentando uma solução para o suposto problema. Sequer ouvimos o que o outro tem para falar e já nos precipitamos em avaliações e julgamentos, deixando clara a nossa dificuldade de saber ouvir.
Com muita propriedade, a narrativa acima ilustra-nos que a leitura da página de um livro não nos autoriza dizer se ele é bom ou ruim; a leitura de uma palavra não nos possibilita conhecer a frase inteira. Da mesma forma, avaliar um fato sem levar em conta o contexto em que está inserido, significa tornar deficiente a nossa capacidade de análise.
O Juiz de Direito, por exemplo, ao solucionar um conflito de interesses que lhe é apresentado em juízo, proporciona às partes durante o processo judicial o exercício do chamado contraditório, princípio segundo o qual as alegações deduzidas por uma parte devem chegar ao conhecimento da outra, com vistas ao exercício da ampla defesa. Somente ao final, depois da análise de todas as alegações e alicerçado nas provas apresentadas, ele profere o julgamento.
Saliente-se, por sua vez, que o Juiz de Direito age por dever de ofício, não podendo escusar-se de julgar o caso concreto, ao passo que somos apenas convidados a uma análise mais ampla dos fatos, com o objetivo de fazermos um juízo de valor dotado de maior lucidez, tendo a faculdade de proferir ou não um julgamento.
Recentemente, um amigo, médium, relatou-me que uma senhora de meia idade o procurou reclamando de uma forte dor de cabeça. Ela já havia procurado várias Casas Espíritas, que diagnosticaram o problema como sendo uma terrível obsessão. Todavia, após analisar "desapaixonadamente" todos os fatos que envolviam o problema, ele sugeriu que ela procurasse um neurologista. Após os exames, ela foi imediatamente submetida a uma
intervenção cirúrgica, tendo em vista que o seu quadro clínico já era bastante grave, podendo ser fatal a demora da cirurgia. O problema não era e nunca foi obsessão, mas sim, um grave problema neurológico.
Não diferente, relatou-me uma amiga que o seu início no Espiritismo se deu de forma, no mínimo, interessante. Na primeira vez em que assistiu a uma palestra, foi convidada a tomar passe ao final da reunião. Colocou-se em espera à porta de entrada do local onde se aplicavam os passes, aguardando a sua vez, quando, no momento em que entrou na sala, a "piranha" (presilha que prendia o seu o cabelo) soltou-se e começou a machucar o seu couro cabeludo.
Durante o momento em que recebeu o passe foi um desconforto enorme, pois ela mexia a cabeça com vistas a diminuir o desconforto da dor. Ao final da aplicação do passe, o médium pediu a ela para freqüentar a reunião de desobsessão, pois havia um "espírito" ligado a ela durante a aplicação do passe, que a fazia movimentar a cabeça para desconcentrá-la. O famigerado espírito obsessor era, na verdade, a "presilha" do cabelo.
Estes relatos são apenas alguns pequenos exemplos das nossas interpretações equivocadas, praticadas também nos atendimentos feitos nas Casas Espíritas, onde tomamos um fato pelo contexto, muitas vezes de forma irresponsável, colocando em risco a vida daqueles que buscam o socorro espírita.
Por essa razão, convém o exercício da análise e do questionamento diante dos fatos que nos são apresentados, para os quais devemos evitar o julgamento precipitado. Também diante dos conflitos que nos marcam a existência, a prudência recomenda a análise do contexto no qual estamos inseridos, no qual devemos avaliar os nossos atos e atitudes, as crenças que alimentamos, a nossa postura comportamental, tudo com o propósito de enxergarmos de forma mais ampla os recados inarticulados que a Vida Maior nos apresenta, reconhecendo que todos os caminhos nos levam sempre a um único destino: a felicidade.
Fonte: Revista Literária
Espírita Delfos.
Silvio Carlos
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