Wellington Zangari, 40 anos, começou a se interessar pelo estudo de fenômenos paranormais ainda adolescente, aos 12 anos. Aos 15, já tinha devorado praticamente tudo o que havia de literatura sobre esse assunto em português. Hoje, é um dos maiores especialistas brasileiros em parapsicologia – ou estudos de psi, como prefere chamar. Psicólogo com mestrado em Ciências da Religião pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e com doutorado em Psicologia pela Universidade de São Paulo (USP), Zangari coordena o Inter Psi – Grupo de Estudo de Semiótica, Interconectividade e Consciência da PUC-SP (www.pesquisapsi.com). Já participou de investigações sobre diversos fenômenos supostamente paranormais. Entre os casos mais conhecidos está o da “Virgem Maria da vidraça”, em 2002. Na época, uma misteriosa mancha que surgiu na janela de uma casa na cidade de Ferraz de Vasconcelos, na Grande São Paulo, chamou a atenção de muitos curiosos. Para alguns, a mancha lembrava a silhueta da Virgem Maria, o que foi recebido como um milagre por vários católicos que foram visitar o local. Os laudos técnicos, no entanto, apontaram que tudo não passava de um defeito natural no vidro. Zangari também ajudou a investigar supostos poderes paranormais atribuídos ao “entortador de talheres” Thomaz Green Morton e ao cirurgião psíquico Maurício Magalhães. Nos dois casos, ele encontrou indícios de fraude.
O psicólogo Wellington Zangari diz que não se deve negar nem aceitar a existência de fenômenos ditos paranormais sem antes estudá-los e testá-los à luz da ciência.
Para Zangari, os fenômenos ditos paranormais nada têm de místico ou sobrenatural. São apenas eventos naturais que ainda não conhecemos direito e, na falta de explicação melhor, acabam caindo no terreno da religião e da superstição. Buscar essa explicação melhor e encaixá-la no resto da teoria científica é a essência da parapsicologia, afirma Zangari na entrevista a seguir:
Por que a parapsicologia, muitas vezes, é encarada com desconfiança pelos céticos?
Tradicionalmente, as pessoas relacionam parapsicologia a religião ou a terapias alternativas, embora não exista relação alguma. Isso acontece porque no Brasil há várias pessoas religiosas que se valem de conhecimentos parapsicológicos para fins como provar a ocorrência de milagres ou confirmar a existência dos espíritos. No entanto, essas duas coisas estão fora do campo de atuação da parapsicologia científica.
Qual é a ligação que existe entre a parapsicologia e a psicologia convencional?
É um ramo da psicologia como um todo, já que nós estudamos experiências humanas, como sonhar com o futuro ou ver quadros virarem nas paredes. Nós não assumimos antecipadamente a existência dessas anomalias, mas procuramos avaliar todas as experiências que apontam nessa direção.
O que é considerado uma anomalia?
É aquilo que não é totalmente conhecido ou explicável pela ciência num determinado momento histórico. Não tem nada a ver com ser sobrenatural. O objetivo do parapsicólogo é verificar até que ponto essas alegações de paranormalidade são verdadeiras e até onde elas podem ser explicadas por processos científicos.
Como saber se um fenômeno é mesmo paranormal ou se é um simples truque ou obra do acaso?
A primeira hipótese a ser eliminada é a fraude. A segunda é que seja um problema perceptivo, no qual a pessoa interpreta equivocadamente aquilo que percebe. Podem ocorrer também problemas de transtornos mentais: a pessoa vê o que não existe, o que pode ser resultado de uma doença mental. A experiência humana sempre é subjetiva. Por trás dela, pode haver um fenômeno real, mas ele só pode ser definido cientificamente de maneira experimental. Qualquer alegação de paranormalidade, por mais detalhada que seja, não dá garantia de que a possibilidade de coincidência foi eliminada. A pesquisa experimental procura produzir o fenômeno numa circunstância livre de fraudes e diminuir ao mínimo a chance de coincidências.
Já se consegue demonstrar cientificamente a ocorrência de fenômenos paranormais?
É uma polêmica que existe entre psicólogos, engenheiros e físicos, pois os resultados são flutuantes. Temos uma série de estudos experimentais, que são avaliados por meta-análises [combinação de diversos resultados de diferentes experimentos sobre o mesmo assunto]. Um exemplo são os experimentos Ganzfeld [isolamento sensorial e eletromagnético de duas pessoas em salas separadas e verificação de alguma eventual comunicação]. Os resultados obtidos estão acima do esperado por mero acaso, mas há polêmicas sobre como interpretá-los. Muitas das meta-análises são favoráveis à existência da paranormalidade, outras não. Eu considero que há mais evidências favoráveis do que não favoráveis, mas não há provas definitivas.
O fato de trabalhar com meta-análises e não conseguir descrever os mecanismos dos fenômenos não torna as explicações frágeis?
Nesse sentido, acho que toda a explicação científica é frágil. Não conhecemos totalmente os mecanismos de praticamente fenômeno nenhum. Pouco se sabe sobre certas regiões do cérebro e vários fenômenos físicos. Recentemente, Stephen Hawking esteve revisando sua teoria sobre os buracos negros. Isso mostra que não é um problema que só acontece com fenômenos anômalos, mas com todas as áreas da ciência.
O que separa os parapsicólogos dos céticos?
Parapsicólogos são céticos. Senão, assumiríamos a existência dos fenômenos em vez de utilizar metodologia científica para avaliá-los. Os que se auto-intitulam céticos geralmente negam o fenômeno antes de estudá-lo. No Brasil e no resto do mundo, temos instituições de ceticismo que não fazem outra coisa a não ser negar, já de início, a existência de determinados fenômenos. Por outro lado, existem também parapsicólogos que assumem a existência do fenômeno antes de estudá-lo, o que também é errado.
A parapsicologia tem pouco mais de um século de existência. Nesse período, afinal, o que se produziu de sólido e incontestável?
Nada. Todos os resultados são frequentemente contestados pelos próprios pesquisadores da área. Mas muitos experimentos tiveram resultados consistentes e positivos em relação à existência da paranormalidade. Por exemplo: se não existe transmissão telepática, os sujeitos que passam por esse tipo de experimento deveriam ter um índice de acerto muito próximo de 25%. Mas a maior parte das meta-análises indica que, na média, eles são capazes de acertar 35% da vezes. Do ponto de vista estatístico, é uma diferença bastante significante. De maneira que algo além do acaso deve estar acontecendo entre a pessoa que emite e a que recebe essas informações.
Há pessoas que dizem ser capazes de desenvolver ou aprimorar habilidades paranormais em outras. Essas habilidades são adquiríveis?
Todas as pesquisas realizadas até o momento sobre aprendizagem demonstram que nenhuma técnica é eficaz para desenvolver ou mesmo para controlar essas habilidades. Isso significa que os fenômenos são espontâneos, involuntários e inconscientes, de forma que nenhuma técnica seria capaz de desenvolvê-los de maneira consistente. Não se pode afirmar que isso seja impossível, mas nenhum estudo realizado conseguiu resultados significativos.
Por que há tanto espaço para a charlatanice nos assuntos que envolvem esses fenômenos?
Porque existem pessoas que são facilmente enganáveis, que não têm um senso crítico apurado e que querem acreditar no que é aparentemente sobrenatural. É obrigação do pesquisador dessa área mostrar para o público o risco que elas correm ao acreditar ou confiar em pessoas que dizem possuir esses “poderes”. Tudo o que sabemos mostra que ninguém pode controlar essas habilidades. Então, quando alguém se diz capaz de fazê-lo quando e como quiser, é muito provável que seja uma fraude. Essa é uma dica para que as pessoas não caiam no conto-do-vigário.
por Carlos Chernij
Site: Super Abril
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