quarta-feira, 7 de julho de 2010

O DESENCARNE DE UM ESPÍRITA

Selecionamos entre as muitas missivas, e com a autorização do missivista, um drama comum a boa parte das desencarnações de espíritas. Objetivamos assim que a vivência desse coração querido, nos lances da vida afetiva, seja útil às reflexões de vós outros que se encontram na carne investidos das responsabilidades com o Consolador. Segue, resumidamente, a missiva.
Meu drama não escapa dos resultados infelizes que nós, os espíritas, na maioria dos casos, colhemos além-túmulo quando empanturramos o cérebro com informações doutrinárias, sem digerí-las saudavelmente na vivência diuturna.
Acumular conhecimento sem renovar o coração é o mesmo que nos mantermos desavisadamente à beira de enorme precipício que, ao menor descuido, arremessamos aos despenhadeiros da “morte física e espiritual.”
“Somente aqui percebi com clareza que o pensamento iluminado é roteiro de paz, mas o sentimento, em verdade, é o “espelho” da consciência na busca dessa mesma paz que, no meu caso, ficou soterrada sob o monturo da distração e do interesse pessoal.”
“A razão esclarecida, quando se dissocia do afeto elevado, é parceira da ilusão, adquirindo séculos de dor e enganos que, depois de muito sofrimento, servirão como buril do coração na conquista dos sentimentos nobres. Contudo,Deus não nos criou esse doloroso caminho. Nós o escolhemos...
“Minha primeira grande decepção no além foi o encontro que tive com algumas companhias, que cumprimentaram-me com leviana intimidade e termos chulos. Ao esboçar mentalmente a indagação sobre quem seriam, não careci da resposta, porque ressumava na minha mente lembranças estranhas de lugares e ações entre nós... Percebi então que eram velhas companhias de minhas antigas condutas, com as quais seria deseducação e desentendimento querer me livrar.”
“A Misericórdia Divina, porém, é generosa sem ser conivente, e graças a alguns benefícios que espalhei abnegadamente, tive um estágio curto em tais companhias e ambientes repugnantes nos círculos próximos à Terra “Minha falência tem sido a de inúmeros companheiros de ideal.”
“Como disse, cérebro iluminado não garante nobreza de afeto, e foi em razão de descuidos do sentimento que lavrei minha desdita.”
“Os primeiros cinco anos de vida espírita, iniciada em plena juventude aos vinte anos, foram estacas balizadoras. Trabalho, estudo e melhora moral. Chegou, no entanto, a hora do testemunho. Depois da faculdade, surgiu incomparável chance profissional. Não a perderia jamais. Dediquei-me de tal forma ao mister que abandonei a escola do centro espírita. Cada dia mais tornava-se imperativo desdobrar-me aos negócios.” “Justificava com a necessidade de descanso, e ademais pensava: isso passa rápido e logo terei vida farta, podendo dedicar-me ao Espiritismo.”
“Aos trinta e cinco anos já era um homem cansado, sem ideal, nem mesmo os materiais, já que comprovei na afanosa carreira que a justiça social é inimiga do sucesso dos honestos. Cedi então aos alvitres da falcatrua elegante e “justificável”.
Afinal, “não haveria outro jeito.” Comecei a ter lucros. Às vezes tinha sentimentos de desconforto, mas aprendi a “enganar” a consciência.”
“Aos quarenta a idéia de formar família atordoou-me; nunca fui dado a aventuras afetivas, pensava em filhos. Minha cabeça não permitia o tempo para os anelos do amor. O sexo não me atormentava.”
“Aos quarenta e sete anos, com uma vida estressada, fumando e ingerindo alcoólicos, regularmente, adquiri uma úlcera duodenal que consumia minhas forças essenciais. Numa das internações hospitalares, meditava sobre minha juventude e tive a impressão nítida da presença espiritual de minha mãezinha querida; adormeci
e tive sonhos inesquecíveis, nos quais ela chamava-me para a lucidez. Tudo em vão; saindo do hospital, deliberei por um negócio engenhoso. Foi meu último passo na vida física, porque os resultados foram desastrosos, levando-me a incontida frustração e cruel desânimo. Peregrinei nos centros espíritas novamente, entretanto, a despeito de saber de tudo aquilo que ouvia, nada sentia no coração sofrido e
enregelado que me motivasse a alguma mudança.”
“Descuidado e imprevidente, desencarnei em lamentável acidente automobilístico.”
“Somente depois de muitas etapas superadas na auto-recuperação é que posso concluir com acerto sobre o drama que me abateu: priorizar e comprometer-se com as questões espirituais é assunto do coração, é questão do sentimento. E se o sentimento é o “espelho” da consciência, devemos refletir a “Imagem Divina”, a bem de nós mesmos.”
“Distraído que fui, pago o preço do descompromisso..“Hoje tenho para mim uma outra escala de aferïção sobre quem são os verdadeiros espíritas. Eu, que entusiasmei-me em excesso com escritores renomados, médiuns ilustres e “bibliotecas ambulantes de Espiritismo” em que muitos se tornavam, acredito agora que espírita com Jesus, no rumo da sua paz, é aquele que em qualquer tempo, nos reveses ou na calmaria, mantém o ideal de melhoria acima de quaisquer circunstâncias, jamais abandonando ou protelando as tarefas, renunciando sempre que possível a gostos e projetos pessoais, deixando-se levar com muito equilíbrio pelos ditames do coração, que são direções seguras da consciência, encaminhando-nos para a lídima felicidade.”

Amigo de jornada, Eis a nossa grande empreitada nos estágios espirituais em que nos encontramos: alfabetizar o coração nas trilhas do bem definitivo, efetivar a aprendizagem da religião cósmica do Amor, plenificar a existência renovando o modo de sentir. Indagamos oportunamente o sábio Bezerra de Menezes sobre qual seria o maior drama vivido pelos espíritas ao deixar a vida corporal, e dele recebemos a seguinte gema de sabedoria:

“Filha, os dramas espirituais são resultados da semeadura terrena, obrigando o lavrador da vida a colher os frutos do que plantou, conforme a lei dos méritos.
Assim sendo, o maior drama daqueles que se internam na “Enfermaria do Espiritismo” não está na infeliz colheita de sofrimento aqui na vida extrafísica, mas sim no dia a dia da experiência terrena quando recusam-se, na condição de doentes, a ingerir o remédio da renovação interior. Conscientes do que existe para além da morte, deveriam submeter-se a urgente metamorfose afetiva, acionando os recursos da educação com vontade firme e muita oração. O esclarecimento, mesmo constituindo luz e lenitivo, por si só, não basta ao sublime tentame.”
“Os dramas do além são conseqüências. O verdadeiro drama está em conhecer e nada fazer para melhorar-se.

- E arrematou o venerável apóstolo do bem: “Parece um contra-senso! Enquanto o homem comum colhe amargos frutos na vida espiritual pelo desconhecimento, os espíritas, quase sem exceções, experimentam sofrida amargura por muito conhecer!...”

Perante a missiva exposta e as palavras do “médico dos pobres”, erguemos em alta voz a campanha pela humanização nos centros espíritas, convocando os co-idealistas, como lema de suas ações, a inspirada proposta do Espírito Verdade:
“Espíritas! amai-vos, este o primeiro ensinamento; instruí-vos, este o segundo".  
(O Espírito de Verdade. (Paris, 1860.O Evangelho Segundo o Espiritismo — capítulo 6.)”

Certamente não será sem razões que nesse apelo o amor é o primeiro ensinamento...

LAÇOS DE AFETO
WANDERLEY S. DE OLIVEIRA

DITADO PELO ESPÍRITO ERMANCE DUFAUX

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